Yan Nicolas
A sua voz
por Dani Maura
Antes que se pergunte os porquês do que irei dizer, adianto que nesse momento minhas camadas de trabalho no projeto se sobrepõem ao máximo e, inevitavelmente, se influenciam. Enquanto escrevo este texto, estamos a uma semana do lançamento da primeira publicação no site do projeto. Decidimos fazer uma live em que os artistas convidados fazem perguntas para as pessoas da equipe. O João Maciel perguntou se há um aspecto comum aos artistas, “se existe algum motivo pelo qual estamos trabalhando juntos?” Essa pergunta somada ao trecho final da edição da entrevista com o Yan me fez ver todo o projeto em retrospectiva. Você fala sobre a possibilidade do amor, e de alguma maneira começo a sentir que todos os artistas falam, seja pela percepção do quanto ainda falta para essa possibilidade se concretizar, seja para compartilhar um vislumbre da manifestação dessa força. O amor, ao longo do projeto, já atravessou muitos assuntos: a diversidade, o humor, a escuta, a destruição, a delicadeza, a cura, mas tem uma força que o manifesta e que também sempre volta: a ideia de movimento, de geração de vida, de mutação.
Eu mencionava o movimento como uma questão que sempre voltava nos diálogos com os diferentes artistas, como uma força de vida que permeava todos os processos.
A essa altura interrompo a escrita do texto para ler seu trabalho de conclusão de curso. Mapear questões a partir da sua voz. E encontro o que era minha mais recente descoberta: essa relação entre o amor e o movimento já está lá, detalhadamente narrada por você. O que fazer? Reescrever o texto ou seguir um novo caminho sem apagar o processo? Por estarmos falando de desenho, arriscarei a segunda opção. E o que me resta dizer além do que você mesmo diz, além de amplificar sua voz? Talvez a questão, pra mim, seja essa: amplificar visões de mundo e modos de vida que redesenhem o mundo não como um ensaio de esperança, mas sim pelas realidades que se criam nas maneiras de se estar e de se fazer.
Voltando ao amor, passo aos pares de oposição, não como um contraponto, mas de novo para dizer da maneira. No âmbito da criação, tenho olhado para as oposições como uma espécie de tensão amorosa, que nos permitimos experienciar e, assim, aprender, e que em seus processos se manifesta nas relações entre o excesso e o mínimo de matéria, a luz e a sombra, a pequena e a grande escala, a superfície da pele e a profundidade da memória.
E convido lermos esse fluxo, que nasce da coexistência dos pares de oposição, como mais uma manifestação do movimento, que em seus processos e produções se instaura como realidade que repercute em diferentes instâncias e escalas, como, por exemplo, o seu corpo que revela seu olhar em seus vídeos, as representações bidimensionais e tridimensionais do corpo que neles ganham alma. De novo o seu corpo, que se ritma nos gestos, se estende no tempo a fazer grandes desenhos, as linhas que criam a superfície de uma pele escura de grafite/carvão, em que as texturas são como inscrições de memórias. As ideias e notas transcorrem dos cadernos para os registros fotográficos, tornando-se trabalhos, em uma fluidez entre as linguagens pelo modo em que os elementos transitam de uma à outra. Diante do movimento tácito do corpo desenhado que repousa, penso em dança, uma dança no escuro do útero, que suspende o tempo..
Não por acaso, as mãos são um lugar de importância para a representação do movimento para si. Uma vez em um sonho vi uma flor que brotava no coração, percorria os braços e também florescia nas mãos.
Yan Nicolas existe a partir do desenho que o ajuda a se entender corpo constantemente. Usa do seu pensamento e prática em desenho para o processo de criação em mídias como fotografia e vídeo, tendo a experimentação como método. Seus trabalhos com criação de imagens, têm sido um lugar de presentificação e encontro de identidades. Investigando formas de evidenciar, questionar e criar diálogos a partir do íntimo e, suas pluralidades e subjetividades. Nasceu e vive em Belo Horizonte (MG), formado no bacharelado em Artes Visuais (habilitação em desenho) pela Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente está na licenciatura do mesmo curso.
Proposta de criação
corpo e representação do corpo
Corpo, desenho de observação, materialidade, caderno de processo, composição
Publicado em 19 de maio de 2022