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Theodora

Sugiro ler em voz alta

por Dani Maura

Estas palavras são o desejo de encontro com o outro ar afora e consigo mesma corpo adentro.

Elas me pedem para dizer do gesto que você faz com as mãos, como quem segura um punhado de grãos ou terra, enquanto fala sobre acolher. No som acolhimento e no corpo, um sussurro simultâneo manifestando “oferenda”.

Primeiro, um exercício de ser limiar.

Enquanto lhe escuto, movimento meus lábios em sintonia com os seus, pressentindo suas palavras, e começo a considerar os sentidos todos; quais ou quando eles dizem encontrar uma noção de si própria, com a pele como fronteira; cultivar canais de troca que permitem contemplar o fluxo dentro-fora; amplificar uma percepção que busca um lugar além de qualquer separação, em direção à natureza íntima das coisas, à essência, chegando ao movimento de sair de si.

Segundo, um exercício de intuir.

Você me diz dos pequenos objetos de cerâmica que produz, de como eles transitam de uma instalação para uma fotografia, para um vídeo, ou ainda se transmutam em traços sobre o papel. Eles ensinam, ao meu corpo em relação a si mesmo e em relação aos espaços, que habitar é liberdade para compor.
Cada nova combinação de um mesmo conjunto de elementos, evidencia um desenho no tempo, uma reescrita. Seria a intuição uma capacidade de desenhar linhas através dos tempos?

Anteontem ouvi em uma aula “a intuição é a apreensão de que essencialmente somos tempo”. Seria essa a imagem que suas mãos me ofertaram?

Experimentando diferentes velocidades, meu pensamento começa a brincar de trocar de pele, para refazer os caminhos pelos quais se preenche de mundo e os caminhos pelos quais se expande sobre o todo. Aqui mesmo, nesta conversa, ser movimento, essencialmente tempo, no circuito contínuo de se abrir, sair de si para adentrar as coisas, ser atravessada pelo todo e se conhecer. Um céu de acontecimentos e de presenças que somam as esferas prática, cotidiana, de memórias, referências, linguagens...
Deixo-me levar pelas suas palavras sobre interessar-se pelas coisas desenfreadas, fazer perdurar as coisas importantes, coletadas em grandes extensões de vida. Uma prática de narrativa, de maneiras amorosas, atenta à força de criação que há em tudo.

Agora, materializar.

Você me toma pela mão, estamos em um delicado vórtex de trivialidades.
A certa altura me pergunto de quem é a voz que diz que um coração aberto é a chave para entrar em outros corações?
Da palavra. Da cerâmica. De um tecido.
Do ar?

Um papel branco, retangular, com orientação horizontal, divide-se em duas partes iguais. À direita, um desenho com lápis de cor azul representa uma paisagem, com céu claro ao fundo e, mais à frente, uma linha do horizonte alta; na sequência, a textura marcada dos movimentos do lápis preenche a área que corresponde à vegetação. No primeiro plano, à esquerda, uma pequena árvore com os contornos marcados por uma luz dura, que incide da esquerda para a direita, sua copa é branca, assim como o solo em sua base. À direita, um cupinzeiro e, sobreposto a ele, desenhadas com lápis grafite, duas pequenas chaves antigas, que se cruzam pela parte próxima ao seu segredo. Mais à direita, há duas outras chaves similares, porém maiores. E, mais à direita, um terceiro par de chaves, também similares às anteriores, porém ainda maiores, com detalhes de seus ornamentos cuidadosamente representados. Essas chaves são um elemento de ligação entre as duas partes da imagem. À direita, centralizado em um fundo branco, um desenho feito com lápis grafite mais macio de uma pequena gaveta, com a frente entalhada. Dentro dela, ao fundo, uma mariposa e, mais à frente, um pequenino ovo. Duas pernas surgem abaixo da gaveta e ficam suspensas. Sobre a gaveta, com letras de forma em azul, está escrita a inscrição guardar até desaparecer e, mais abaixo, ao lado da perna, à direita, a inscrição aconchegar.
Aconchegar, 2019
Grafite e lápis de cor. 29,7 x 21 cm.
Sobre um papel branco, retangular, com orientação horizontal, três pequenos desenhos, feitos com lápis de cor, dispostos um ao lado do outro, formando uma linha horizontal no centro do quadro. O primeiro é uma asa de borboleta amarela com uma mancha no centro, em marrom; o segundo, uma pequena mariposa, com linhas simplificadas em ocre e marrom; e, por último, uma asa de mariposa em tons de ocre e marrom, com uma configuração que se assemelha a uma íris e pupila. Abaixo da mariposa, ao centro, com letras de forma, em grafite, a inscrição inocência, origem e desejo vêm do mesmo lugar.

(sem título), 2019.
Grafite e lápis de cor. 29,7 x 21 cm.
No centro de um papel creme, retangular, com orientação horizontal, o desenho de um travesseiro; uma pequena chama amarela e laranja queima seu canto inferior direito. Partindo da chama, uma nuvem de fumaça se projeta para o alto e para a direita se alargando. A materialidade do lápis grafite revela que o papel utilizado tem uma textura similar a tecido e delineia os volumes da fumaça e do travesseiro, assim como a sombra dele, projetada na borda inferior. Pequenos ornamentos lineares enfeitam cada um dos cantos do travesseiro. Linhas dividem o plano de fundo em quatro partes e em cada um dos cantos do quadro está escrita uma palavra, no sentido horário, partindo do canto superior esquerdo: MACIO, LEVE, DOCE e DELICADO.

(sem título), 2019.
Grafite e lápis de cor. 14,8 x 10,5 cm.
Um tecido cru, esticado ao fundo, preserva as linhas de memória de suas dobras e sobre o seu centro se projeta uma fina sombra retangular de um pequeno e macio travesseiro, feito de tecido cor creme, estampado com delicadas flores brancas, com as bordas costuradas com ponto caseado em linha cor rosa pálido. Sobre o travesseiro, abaixo e à direita, um remendo em tecido vermelho carmesin, com bordados de pedrarias acima, representando chamas, que são compostas por linhas de diferentes alturas, feitas de bordado de miçangas em vários tons de vermelho. Uma nuvem de fumaça, de tule branco, estende-se no espaço, partindo do remendo e estendendo-se para o alto, suas sombras se projetam no fundo. Sobre o travesseiro estão bordadas, com linha cor rosa pálido, três palavras: no canto inferior esquerdo, delicado, no canto inferior direito, doce, no canto superior direito, leve, e no canto superior esquerdo, macio.
Hora de acordar, 2021
Travesseirinho bordado com pedrarias e com enchimento de camomila, marcela e fumaça em pó. 20 x 26 cm.
Um pequeno travesseiro, abarrotado, feito em cetim azul celeste, está apoiado sobre uma superfície branca, tendo como base sua lateral mais comprida. Treze pequenas garrafas de vidro, tampadas com rolha de cortiça, estão costuradas ao travesseiro, penduradas por linhas azuis que atravessam cada uma das rolhas. As garrafas estão dispostas em diferentes alturas e, por vezes, se sobrepõem umas às outras, elas também exercem uma força que faz pesar o travesseiro. Dentro de cada garrafa há uma minúscula pena, de diferentes cores e aves. O tecido e os vidros refletem a luz. Na margem superior do travesseiro, em uma única linha, está bordado, em azul, a inscrição ensaio sobre a leveza.
Ensaio sobre a leveza, 2021
Travesseirinho bordado com potinhos de vidro com rolha e penas. 18 x 23 cm.
Entre nós, 2018
Bordado com bastidor, pano solto e estatueta de Santo Antônio. 100 x 25 cm.
Entre nós, 2018
(detalhe)
A luz do dia vem do alto em uma fotografia em cores, retangular, com orientação horizontal, com fundo claro. No primeiro plano e no centro, uma cabeça de alho de cerâmica esmaltada, reluzente, em uma cor branco avermelhada, que se assemelha à carne crua; ela está apoiada no centro da sola de um pé, que está com a planta para cima e que possui pequenas veias delineando as laterais e descamações de pele no calcanhar.

Sem título, 2021. Da série fotográfica com peças de cerâmica. 36 x 20 cm. Fotografia: Júlia Santana.
A luz do dia vem do alto em uma fotografia em cores, retangular, com orientação horizontal. Um plano detalhe de corpo, de pele com pelos, ocupa cerca de dois terços da imagem, restando apenas um pequeno recorte de colchão branco ao fundo. No centro do quadro, seis pequenos grãos de feijões de cerâmica esmaltada, iniciando com um feijão na cor branca, passando por três grãos em diferentes tons de cinza e finalizando com dois pretos, que se dispõem em uma linha diagonal, que se projeta para o fundo do quadro, seguindo a mesma linha de composição do volume do corpo.

Sem título, 2021. Da série fotográfica com peças de cerâmica. 27 x 20 cm. Fotografia: Júlia Santana.
Uma luz elétrica quente ilumina a fotografia em cores, retangular, com orientação horizontal. No primeiro plano, a textura do tecido de um colchão de espuma. Ao fundo e à esquerda, o rosto de uma pessoa adentra o quadro, vemos seus olhos escuros, seu nariz e seus cabelos encaracolados e pretos. Sua cabeça repousa sobre suas mãos, que tocam cuidadosamente o colchão, seus olhos se direcionam para duas pequenas esculturas de cerâmica esmaltada que estão à frente: duas ovelhas, em cerâmica, posicionadas face a face, à esquerda, uma maior com o corpo todo em cor creme e, à direita, outra com corpo branco e cabeça, cauda e patas pretas. Na matéria dura da cerâmica pode-se ver as marcas das mãos e das ferramentas que modelaram sua pelagem.

Sem título, 2021. Da série fotográfica com peças de cerâmica. 27 x 20 cm. Fotografia: Júlia Santana.
Logo no primeiro plano de um fundo branco, uma cena, com pequenas esculturas em cerâmica esmaltada, mostra uma cama com a cabeceira paralela à lateral direita da imagem. A estrutura da cama é marrom avermelhada, o travesseiro e colchão, cor creme. Sentado sobre a cama, um monstro que se assemelha a um carneiro, também de cor creme, com olhos profundos e estrias representando a textura dos pelos; ele tem chifres pretos, e o da direita está quebrado. No chão, entre o observador e a cama, está deitada, de lado, sobre seu lado esquerdo, uma jovem mulher branca, seu corpo se posiciona como se estivesse na cama, apesar de ser proporcionalmente maior. Ela possui os cabelos, olhos, sobrancelhas e detalhes dos dedos das mãos na mesma cor marrom avermelhada da cama; não há vestígio de desenho de boca ou nariz, veste uma camisola curta, branca de bolinhas azuis.
Companhia, 2018
Registro fotográfico de montagem de peças de cerâmica. Aproximadamente 20 cm
Logo no primeiro plano de um fundo branco, uma cena, com pequenas esculturas em cerâmica esmaltada, mostra uma jovem mulher branca de cabelos, olhos e sobrancelhas na cor marrom avermelhada, não há vestígio de desenho de boca ou nariz. Ela veste uma camisola curta, branca de bolinhas azuis bem claras, cruza os pés e está sentada em uma cama, com a cabeceira e estrutura de cor marrom avermelhada. O colchão e o travesseiro têm cor creme, a mesma de uma ovelha que se encontra à esquerda e, em posição paralela à cabeceira da cama, direciona-se para a jovem. À esquerda e proporcionalmente maior, quase do tamanho da cama, uma metade de romã com casca marrom e inúmeros grãos em tons de vermelho que refletem a luz.
Insônia, 2018
Registro fotográfico de montagem de peças de cerâmica. Aproximadamente 20 cm.
Uma cena composta por pequenas peças de cerâmica esmaltada. Na diagonal ao fundo, uma cama com cabeceira e estrutura de cor marrom avermelhada, o colchão e o travesseiro na cor creme. Sobre ela, uma peça em que uma cabeça surge de outra, em um movimento espiralado, em que cada novo rosto é menor que o anterior; seus cabelos, olhos e sobrancelhas são da mesma cor marrom avermelhada da estrutura da cama, assim como sua pele é da mesma cor creme do travesseiro e do colchão. Ao lado, à direita da cabeceira, há uma pequena blusa cor creme, com listras horizontais marrom avermelhadas; de dentro de sua gola, surgem duas pernas cor creme, com pequenos sapatos, tipo boneca, marrons avermelhados. À frente da cama, um ser de quatro patas, de corpo cor creme, que tem no lugar da cabeça uma grande flor amarela; e, à sua frente, uma ovelha com corpo branco e cabeça, cauda e patas pretas. Mais à frente, uma xícara de cor creme com toques de azul claro; dentro dela, uma pequena casa, um passarinho e, em volta das peças dentro da xícara, paina, representando fumaça.
Sonho, 2020
Registro fotográfico de montagem de peças de cerâmica. Aproximadamente 30 cm.
Sobre um fundo branco, seis pequenos objetos de cerâmica esmaltada brilhante: acima e à esquerda, uma pequena valva branca com um reduzido furo, sua parte mais larga aponta para a direita. Na sequência, ao centro, duas cabeças de alho, de tamanhos diferentes, ambas com um pequeno talo, elas têm cor branca avermelhada e uma sombra dura que se projeta para baixo e para a esquerda, redesenhando seus contornos. Mais à direita, duas mariposas que têm a cabeça direcionada para a esquerda, a primeira de corpo preto, asas branco azuladas com a borda em azul escuro e pequenos pontos vermelhos; a segunda, de corpo branco, com manchas marrom claro e enevoadas linhas vermelhas. Na segunda linha da composição, à direita, frutos de guaraná, cor coral, o maior, aberto, mostra a semente e a polpa e o menor está fechado; uma luz dura desenha suas sombras abaixo e à esquerda. No centro, um dente molar cor creme, que também tem uma forte sombra; Por fim, um pequeno casal de pássaros, de corpo branco e detalhes em preto e vermelho, que se tocam pelos bicos, também vermelhos; a sombra de suas cabeças e corpo se projeta para baixo e para a esquerda.
Das infinitas coisas que cabem, 2019
Cerâmicas. Entre 2 e 10 cm cada.
Sobre um fundo branco, seis pequenos objetos de cerâmica esmaltada brilhante: acima e à esquerda, uma fina sombra delineia o verso de um cartão postal japonês, com orientação vertical, fundo branco e inscrições em vermelho; sete pequenos retângulos em linha tracejada estão acima e à direita, e se repetem próximo a borda inferior, seguidos de uma demarcação de área para o selo; mais rente à borda, uma inscrição em japonês. No centro, um doce de massa de arroz, cor branca, mordido, as marcas de dentes revelam o recheio marrom escuro de pasta de feijão; o bolinho tem uma sombra marcada em sua base. À direita, a representação de uma pequena lata de refrigerante amassada, vermelha e com a inscrição coca-cola em branco, em uma caligrafia que imita a marca, ao mesmo tempo em que revela imperfeições; a sombra desse objeto se projeta para baixo e para a direita. Iniciando a segunda linha da composição, à esquerda, uma flor de picão amarela, com pétalas de bordas rendadas e fina sombra em sua base. Na sequência, um saquinho de chá branco, com a representação das ervas em marrom; tem um pequeno furo com um barbante amarrado, que faz um desenho que se direciona para cima e depois desce e se ata a uma pequena representação de um pedaço de papel, cor branca. Por fim, um conjunto de seis grãos de feijão, sendo dois em cor creme, dois cinzas e dois pretos.
Das infinitas coisas que cabem, 2019
Cerâmicas. Entre 2 e 10 cm cada.
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Theodora
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título

Me chamo Theodora e sou nascida e criada em Belo Horizonte; meus interesses passam por experimentações em instalação, cerâmica, fotografia e vídeo, pela materialidade do barro e do tecido e também pela criação de cenários e narrativas visuais, além da escrita, que é comumente incorporada como parte do universo poético-simbólico habitado pelas obras. Os assuntos que carrego mais próximos de mim se relacionam com memória, intimidade, sonho, devaneio e afeto, e perpassam a revisitação do cotidiano, muitas vezes incorporado por articulações de objetos banais ressignificadas em sua potência e acolhidos no espaço da palma da mão.

Proposta de criação

Objeto Cotidiano
tridimensionalidade, composição, figura e fundo, materialidade,fotografia, escala de representação, enquadramento, animação stop motion

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