Natalia Rezende
Pensar com as mãos
por Dani Maura
Este texto retoma uma questão que a primeira entrevista do projeto me trouxe: olhar para o processo de criação a partir da experiência de tempo.
Passando por algumas instituições de ensino de artes, ocupando diferentes papéis, já considerei a criação a partir da poética do processo, dos conceitos, a partir de uma visão de mundo, considerando a importância de um modo de vida, mas hoje me dedico a estudar como é a experiência de tempo dentro da criação.
Conheci Natália Rezende no mesmo contexto em que conheci a maioria das pessoas até hoje: compartilhando processos de criação em artes visuais. O convívio com sua produção me fez pensar na constância que há em tecer, desse estado em si, de abertura, de prática e de reflexão. Sinto que por meio da constância podemos atravessar o tempo em novos exercícios além da linearidade. O fazer na constância é como tecer, estar presente, repetindo gestos, elaborando o interior na ação e vice-versa. A constância, por atravessar os instantes fragmentados, atravessar os dias, nos leva ao espaço e tempo que há entre: a duração. Esse fluxo tem mais que uma força de escrita, uma força transversal de reescrita. Acredito que na relação com o tempo há uma chave de aproximação com a experiência estética.
Estou aqui o tempo inteiro, por meio da luz, das palavras, fazendo esse convite, para encontrarmos o pensamento de um outro, é um chamado para uma dança.
A dança das mãos dessa tecelã, de alguma maneira, me faz desejar que uma dimensão da experiência estética da vida revigore a arte, que se desfaça a hierarquia, ilusória, entre arte e artesanato, pois as forças da imaginação, da linguagem, da sensibilidade, do encontro com a matéria, da coexistência dos tempos não se recusam a se manifestar em determinados contextos, pois vislumbrar o fluxo entre o nome e o sem nome e manifestá-lo é característica do humano.
E por falar nisso, outra característica do humano, fortemente presente no fazer artesanal, é o aprendizado por meio do convívio, o que me faz também lembrar do cuidado de Natália em escolher e partilhar aspectos de seus processos de criação. Ação que eu considero, também, como um convite a outros artistas, para fazerem o mesmo; uma maneira também para se refletir sobre o que mostrar e em quais mídias.
E, antes de fechar, mais um ponto, que posso chamar de “o fazer” ou da relação com a materialidade, ou como comecei a entrevista: o pensar com as mãos. Pra mim, isso diz da manifestação da força do encontro e do acontecimento, no âmbito das peles. Aprender sobre a natureza de cada material, aprender sobre suas limitações e, portanto, sobre suas potências, é ampliar as relações com as demais linguagens e ampliar-se; é experienciar na escala do corpo físico toda a natureza do tempo e das metamorfoses.
Falar sobre o trabalho de Natália a partir da perspectiva do tempo do fazer, das relações entre arte e artesanato, pelo viés da transversalidade da força de criação, do convívio, da generosidade de se partilhar de maneira elaborada os processos, da relação com a matéria é falar também de suas imagens. Esses aspectos se conectam do mesmo modo em que a superfície da trama e a estrutura interna se relacionam. A essência, que pra mim não é uma forma fixa e se assemelha a uma composição musical com abertura para o improviso, se manifesta, perpassa tudo.
Natália Rezende é tecelã, artista visual e pesquisadora. Nascida em Várzea da Palma/MG, vive e trabalha em Belo Horizonte/MG. Possui mestrado e bacharelado em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais, mesma instituição na qual realiza doutorado (com bolsa CAPES/PROEX), também em Artes. Em suas pesquisas e práticas artísticas, dedica-se à investigação das artes têxteis e suas potencialidades plásticas, históricas e textuais. Atua como educadora em oficinas e no projeto de extensão "Tramas Contemporâneas na América Latina" (EBA/UFMG).
Proposta de criação
linha
elementos das arte visuais, linha, linguagem, escrita, narrativa visual
Publicado em 24 de março de 2022