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Natalia Rezende

Pensar com as mãos

por Dani Maura

Este texto retoma uma questão que a primeira entrevista do projeto me trouxe: olhar para o processo de criação a partir da experiência de tempo.

Passando por algumas instituições de ensino de artes, ocupando diferentes papéis, já considerei a criação a partir da poética do processo, dos conceitos, a partir de uma visão de mundo, considerando a importância de um modo de vida, mas hoje me dedico a estudar como é a experiência de tempo dentro da criação.

Conheci Natália Rezende no mesmo contexto em que conheci a maioria das pessoas até hoje: compartilhando processos de criação em artes visuais. O convívio com sua produção me fez pensar na constância que há em tecer, desse estado em si, de abertura, de prática e de reflexão. Sinto que por meio da constância podemos atravessar o tempo em novos exercícios além da linearidade. O fazer na constância é como tecer, estar presente, repetindo gestos, elaborando o interior na ação e vice-versa. A constância, por atravessar os instantes fragmentados, atravessar os dias, nos leva ao espaço e tempo que há entre: a duração. Esse fluxo tem mais que uma força de escrita, uma força transversal de reescrita. Acredito que na relação com o tempo há uma chave de aproximação com a experiência estética.

Estou aqui o tempo inteiro, por meio da luz, das palavras, fazendo esse convite, para encontrarmos o pensamento de um outro, é um chamado para uma dança.

A dança das mãos dessa tecelã, de alguma maneira, me faz desejar que uma dimensão da experiência estética da vida revigore a arte, que se desfaça a hierarquia, ilusória, entre arte e artesanato, pois as forças da imaginação, da linguagem, da sensibilidade, do encontro com a matéria, da coexistência dos tempos não se recusam a se manifestar em determinados contextos, pois vislumbrar o fluxo entre o nome e o sem nome e manifestá-lo é característica do humano.

E por falar nisso, outra característica do humano, fortemente presente no fazer artesanal, é o aprendizado por meio do convívio, o que me faz também lembrar do cuidado de Natália em escolher e partilhar aspectos de seus processos de criação. Ação que eu considero, também, como um convite a outros artistas, para fazerem o mesmo; uma maneira também para se refletir sobre o que mostrar e em quais mídias.

E, antes de fechar, mais um ponto, que posso chamar de “o fazer” ou da relação com a materialidade, ou como comecei a entrevista: o pensar com as mãos. Pra mim, isso diz da manifestação da força do encontro e do acontecimento, no âmbito das peles. Aprender sobre a natureza de cada material, aprender sobre suas limitações e, portanto, sobre suas potências, é ampliar as relações com as demais linguagens e ampliar-se; é experienciar na escala do corpo físico toda a natureza do tempo e das metamorfoses.

Falar sobre o trabalho de Natália a partir da perspectiva do tempo do fazer, das relações entre arte e artesanato, pelo viés da transversalidade da força de criação, do convívio, da generosidade de se partilhar de maneira elaborada os processos, da relação com a matéria é falar também de suas imagens. Esses aspectos se conectam do mesmo modo em que a superfície da trama e a estrutura interna se relacionam. A essência, que pra mim não é uma forma fixa e se assemelha a uma composição musical com abertura para o improviso, se manifesta, perpassa tudo.

Uma vista em perspectiva de um alpendre estreito e comprido, com paredes brancas e chão verde claro, com ladrilhos hexagonais. Na parede, à esquerda, se projeta para o fundo do plano um retângulo coberto por círculos, cor preta, estruturando colunas, impressos sobre a parede, com diferentes intensidades de tinta; na mesma área, camadas de papéis brancos, de diferentes tamanhos, se sobrepõem, trazendo sombras e movimento para a composição. Eles também estão cobertos por círculos impressos, cor preta, em diferentes intensidades, um deles, ao centro e abaixo, se destaca pelo fato de os círculos desenharem em seu conjunto uma sequência de linhas curvas concêntricas. No fundo do alpendre, uma abertura retangular, de orientação vertical, com um guarda-corpo, que é uma barra cilíndrica, cor cinza; por meio dela, se revela, à direita, ainda mais ao fundo, uma imagem colada sobre uma parede, cor branca: círculos concêntricos formados por uma textura indiscernível.
Acúmulos, 2017
Nanquim sobre papel e parede. Dimensões variáveis.
Uma vista em perspectiva de uma parede, à esquerda, que se projeta para o fundo do plano. Um retângulo, coberto por círculos, formados por linhas concêntricas, cor preta, impressos sobre a parede, com diferentes intensidades de tinta, estruturando colunas; mais ao fundo, à direita e abaixo da imagem, duas mãos estão a executar mais círculos.
Acúmulos, 2017
Nanquim sobre papel e parede. Dimensões variáveis.
Três paredes, cor branca, de uma sala, com chão de taco de madeira. Sobre a parede, ao fundo e ao centro, um grande desenho feito em lápis grafite, que representa os volumes de uma trama circular feita em crochê. A estrutura circular dobra suas bordas para dentro em curvas, revelando assim parte dos planos de trás. A luz e sombra é representada por meio da intensidade das linhas que compõem as texturas, sendo mais iluminadas nas bordas e mais escuras ao centro e atrás. Na mesma parede, à esquerda e ao alto, uma folha de papel, quadrado, contém uma representação similar, porém menor e mais escura; ao lado direito, uma porta, cor branca; acima, uma outra representação similar à anterior. Na parede à esquerda, ao fundo e próximo ao chão, um outro desenho ocupa ¼ da superfície, também feito em grafite, e revela a textura dos pontos de tricô em uma estrutura estrelar, de centro iluminado e bordas mais escuras, que está inserida em um círculo, de centro mais escuro e bordas mais iluminadas. Mais à direita e à frente, no centro da parede, uma folha de papel, quadrado, contém um desenho pequeno, que representa os volumes de uma trama circular feita em crochê, a estrutura circular dobra suas bordas para dentro em curvas, revelando assim parte dos planos de trás, a luz e sombra é representada por meio da intensidade das linhas que compõem as texturas, sendo mais iluminadas no centro e mais escuras nas bordas. Na parede à esquerda, acima de uma porta, cor branca, há um desenho traçado  em lápis grafite, similar ao anterior, mas com centro mais escuro e bordas mais iluminadas, que configuram formas circulares em suas dobras. Mais à esquerda e à frente, sobre a parede, sete folhas de papel, com desenhos delicados, cor preta, se espalham de maneira a compor movimento com a integração de suas configurações curvas.
Tecer é uma forma de contrair e expandir formas, 2017
Grafite sobre papel - 30 x 30 cm. Desenhos sobre a parede - grafite - dimensões variáveis.
Sobre uma parede, cor branca, um papel quadrado que contém um desenho, feito em lápis grafite, que representa os volumes de uma trama circular feita em crochê, o volume do barbante é, também, representado em seus diferentes pontos. A estrutura circular representada dobra suas bordas para dentro, em curvas, revelando assim parte dos planos de trás, sendo que, no centro e abaixo, uma dessas dobras é expandida e configura um movimento em espiral. A luz e sombra é representada por meio da intensidade das linhas que compõem as texturas, sendo, no segundo plano, mais escuras nas bordas e muito iluminadas ao centro, e no plano à frente, composto pela espiral, há o contraste entre as bordas mais escuras e o fundo, em menor intensidade.
Tecer é uma forma de contrair e expandir formas, 2017
Grafite sobre papel. 30 x 30 cm.
Sobre uma parede, cor branca, está projetada uma luz amarelada, quadrada, com quinas arredondadas, que enquadra uma pessoa que está sobre uma escada, cor branca, com o braço direito para o alto, traçando linhas projetadas. As linhas configuram um grande desenho, que representa os volumes de uma trama circular feita em crochê. A estrutura circular dobra suas bordas para dentro em curvas, revelando assim parte dos planos de trás. A luz e sombra é representada por meio da intensidade das linhas que compõem as texturas, sendo mais iluminadas nas bordas e mais escuras ao centro e atrás. A pessoa tem os cabelos curtos e escuros, a pele clara, veste blusa sem mangas, escura, e calça jeans. A projeção de sua própria sombra na parede lhe dá um segundo contorno, deslocado um pouco para a esquerda e para cima.
Tecer é uma forma de contrair e expandir formas, 2017
Desenhos sobre a parede. Grafite. Dimensões variáveis
Uma imagem composta por fotografias, retangulares, de orientação vertical, preto e brancas, e por ilustrações de chirologia do período renascentista, retratando uma série de gestos retóricos de mãos. Cada uma das ilustrações representa um par de mãos, com linhas pretas sobre fundo branco, os volumes são realizados por meio de hachuras, as mãos são brancas, levemente alongadas e sempre se revela, no enquadramento, uma pequena parte de uma vestimenta de mangas longas. As fotografias enquadram o pescoço e o tronco de uma pessoa, que veste uma blusa de manga longa, cor preta, e que manipula com as mãos, diante do corpo, um barbante, cor branca. Na primeira imagem da composição, as mãos estão abertas, se revelam lateralmente para o observador, e o barbante passa entre os dedos e se cruza, quatro vezes, no centro, e, no ponto mais alto, atravessa, horizontalmente, a distância entre as mãos, duas vezes. A segunda imagem, mais à direita, é a ilustração das mãos na mesma posição que a fotografia anterior, e elas adentram o quadro pela margem inferior, próximo à margem superior há a inscrição admiror, que quer dizer eu me pergunto. Na próxima imagem, uma fotografia, as mãos estão uma de frente para outra, há uma pequena distância, dedos apontam para o alto, diante do peito, o barbante se cruza, quatro vezes, atando desde o punho até os dedos. A ilustração a seguir, mais à direita, representa as mãos na posição da fotografia anterior, cada uma adentrando o plano por uma das laterais, próximo à margem superior, há a inscrição supplico, que quer dizer eu imploro. Na segunda linha, à esquerda, a primeira imagem é uma ilustração, a mão direita está à frente, fechada e diante da palma da mão esquerda, que tem os dedos unidos e estendidos, próximo à margem superior, há a inscrição explodo, que quer dizer sobrepor. A imagem seguinte, à direita, é uma fotografia, as mãos estão na mesma posição da ilustração anterior, na altura do estômago, porém, o barbante dá voltas entre os dedos da mão esquerda, estendida, enquanto a mão direita, que torceu as várias linhas, está cerrada. A próxima imagem, à direita, é uma ilustração, cada uma das mãos entra no quadro por uma das laterais, os dedos estão unidos, estendidos para baixo, um dorso de frente para o outro e levemente direcionados para o observador, próximo à margem superior, há a inscrição despero, que quer dizer eu desespero. A próxima imagem é uma fotografia, as mãos estão na altura do estômago, na mesma posição da ilustração anterior, mas há várias idas e vindas do barbante, que conecta as mãos de maneira frouxa.
Falar com linhas / Jogar com a língua, 2017
Composição I.b Fotografia digital e reproduções do livro "Chirologia: or the natural language of the hand", de John Bulwer, 1644.
Em cada uma das imagens, retangulares, de uma composição de nove fotografias, em preto e branco, que se dispõem em uma configuração circular com sete imagens e mais duas ao centro, uma mão de pela clara manipula uma linha escura sobre fundo cor clara. A posição das mãos é inspirada nos gestos de mão de Mei Lanfang, ator da tradicional ópera de Pequim. Partindo da esquerda e abaixo, seguindo em sentido horário, temos: em uma fotografia de orientação horizontal, um gesto, de uma mão direita, que aponta para a esquerda e para o alto, com os dedos anelar, indicador e médio se encontrando em um círculo, e com o dedo mínimo apontando para a frente; a linha se apoia delicadamente sobre o indicador e o dorso da mão e segue em uma curva para o alto e para a esquerda. Acima, em uma fotografia de orientação vertical, uma mão esquerda adentra o quadro pelo lado esquerdo, segura a linha com os dedos médio, indicador e polegar, deixando o anelar e mínimo abertos, mas mantendo a mesma direção da curvatura dos demais, a linha que vem debaixo torna-se sinuosa depois do encontro com os dedos, saindo do quadro pela quina do alto e à direita. Desse ponto pode-se fazer dois caminhos: para o lado esquerdo e abaixo, em uma fotografia de orientação horizontal, uma mão direita, com a palma para cima, entra no quadro pelo lado direito inferior, pinça a linha entre o polegar e o indicador, abrindo os outros dedos para trás, e a linha que se torna visível a partir da mão segue afrouxada em direção à margem superior esquerda; seguindo a outra possibilidade de direção, continuando a circunferência, em uma imagem de orientação horizontal, uma mão direita adentra o quadro pelo centro da margem direita, o indicador aponta para o lado oposto, compondo uma linha reta com o braço, o polegar segura os demais dedos, a linha se estende sobre o braço e o indicador e segue reta até a outra margem. Na imagem à direita, de orientação horizontal, uma mão direita adentra o quadro pelo centro da margem superior, segura a linha entre o dedo polegar e médio, estica o dedo indicador para o fundo do plano, enquanto o anelar e mínimo se curvam delicadamente em direção à palma da mão, a linha adentra o plano pelo lado esquerdo superior, esticada, e, após passar entre os dedos, faz uma curva para a margem inferior esquerda. No próximo quadro, de orientação de vertical, uma mão direita adentra o plano pelo centro da margem direita, os dedos indicador e polegar esticados lado a lado, para o alto, o médio quase encosta na palma da mão, o anelar, mais aberto, segue a mesma direção, enquanto o mínimo se curva levemente, a linha desce pelo centro, passando entre o dedo indicador e médio, fazendo uma pequena curva antes e depois da mão. Abaixo e levemente à esquerda, o próximo quadro tem orientação horizontal, uma mão esquerda adentra a composição pelo centro da margem inferior, como se fosse a mão de um observador, com a palma para cima, segura a linha entre os dedos polegar e indicador, enquanto os outros dedos se curvam em direção à palma, a linha, frouxa, adentra pela margem superior direita, suspende um pouco ao passar pelos dedos, e de novo repousa de leve saindo pela margem inferior esquerda. O próximo quadro, de orientação horizontal, está à esquerda, um braço direito adentra o quadro pelo centro da lateral direita, os dedos indicador, médio e polegar se fecham em pinça, enquanto o anelar se curva e o mínimo se abre, a linha adentra o quadro pela margem superior e se estende até os dedos em pinça e volta para cima, fazendo um desenho em v, saindo um pouco à esquerda pela mesma margem. Aqui uma dupla possibilidade: adentrar o círculo para a direita e acima, onde está um quadro de orientação vertical, um braço direito adentra a imagem pelo limite inferior esquerdo, estica os dedos indicador e médio, enquanto os outros se fecham, a linha segue tensionada em uma diagonal, partindo do centro da margem inferior até a esquerda da margem superior, ela sofre um pequeno desvio ao se encontrar com o dorso da mão e a linha de limite entre os dedos indicador e médio; o outro caminho retorna à primeira imagem.
Falar com linhas / Jogar com a língua, 2021
Composição II. Fotografia digital
Uma imagem composta por uma sequência de fotografias, retangulares, de orientação horizontal, em que uma mão esquerda, adentra o plano pela lateral esquerda e interage com uma circunferência feita em crochê, sobre fundo cor cinza claro. São seis colunas com três imagens cada uma. Na primeira coluna: a mão de perfil, palma para baixo, elo de crochê encaixado entre indicador e polegar, estendendo seu contorno até o punho; abaixo, o círculo de crochê se sustenta de maneira delicada sobre a palma, que se volta para o observador, e os dedos estão curvos; mais abaixo a mão espalmada, revelando-se ao observador, a trama de crochê cruza entre os dedos polegar e indicador e dá a volta sobre o punho. Na segunda coluna: a mão começa a se fechar, o círculo de crochê envolve os dedos médio, anelar e mínimo; abaixo, a palma se volta para o observador e o círculo de crochê se sustenta de maneira delicada sobre os dedos médio, anelar e indicador, que estão curvos; mais abaixo, revela-se o dorso da mão, dedos curvos, vemos apenas uma porção da circunferência de crochê, que se movimenta organicamente sobre o perfil dos dedos. Na terceira coluna: com o punho cerrado, dedos voltados para o observador, o indicador segura a trama circular; abaixo, a mão de perfil, dedos dobrados, tensionando a circunferência; por último, o dorso da mão com dedos abertos, a trama cruza entre os dedos indicador e médio e indicador e polegar, estendendo-se sobre o punho com um pequeno fio puxado. Na quarta coluna: a mão espalmada para o espectador, o círculo cruza entre o dedo mínimo e o anelar, e reaparece no punho, a trama se desfez mais e uma linha, com marcas de dobras, se estica abaixo, paralela ao braço; abaixo, com a palma apontando para baixo, a trama, em parte desfeita, cruza o punho, e as linhas envolvem os dedos e seguem paralelas à parte inferior do punho; por último, vemos a palma, o polegar, o indicador e o dedo médio se esticam, enquanto os outros se curvam, a trama, em parte desfeita, cruza o punho e o dedo mínimo, o fio emaranhado cruza entre os dedos médio e indicador, passa sobre o polegar e segue em direção ao punho. Na quinta coluna: de perfil, a mão se abre, como se buscasse algo que está a sua frente, a trama se desfaz ainda mais, a primeira corrente da trama envolve o punho, enquanto um emaranhado da linha da trama desfeita se enrosca nos dedos; abaixo, a mão espalmada, em direção ao observador, dedos abertos, a trama quase completamente desfeita, a primeira corrente que a originou percorre o punho e a palma, a linha, com as marcas dos pontos, se enrosca pelos dedos e segue, paralela, por debaixo do punho; mais abaixo, de palma virada para o observador, os dedos se fecham de maneira relaxada, a corrente que deu origem à trama quase não aparece em meio a linha emaranhada da trama desfeita, que percorre mão e punho. Na sexta e última coluna: o dorso da mão, a primeira corrente da trama envolve o punho, enquanto um emaranhado da linha da trama desfeita cruza por detrás do dedo médio, e as linhas reaparecem por detrás do punho; abaixo, com a palma voltada para o observador, os dedos indicador e médio abertos e os outros curvos, a primeira corrente que deu origem à trama se estica sobre o punho, passa por detrás do dedo polegar e cruza o indicador, delicadamente os dedos seguram a linha da trama desfeita; por fim, a mão espalmada de meio perfil, a corrente, que deu origem à trama, vindo de trás, cruza o indicador, uma linha da trama desfeita surge entre os dedos anelar e mínimo e, na sequência, se embaraça, criando um volume sob a lateral inferior do punho. A leitura da imagem também pode ser feita considerando-se três linhas de seis imagens cada uma.
Histórias do tempo, 2021
Composição 1: segurar o tempo. Séries de fotografias. Fotografia digital.
A imagem é composta pela justaposição de duas fotografias, retangulares, em preto e branco: uma abaixo,  onde estão dispostas, sobre uma superfície escura, uma variedade de conchas: bivalves, valvas em formas de cone, de turbos; claras, escuras, com manchas e diversas texturas, como, por exemplo, à frente duas bivalves, com contorno ondulado e textura que reproduz inúmeras vezes o relevo do contorno; acima, diante de um fundo cor cinza claro, duas mãos surgem da margem inferior do quadro, elas seguram, em gesto de oferenda, uma pequena trama de crochê, circular, de borda ondulada, de modo a revelar por meio de curvas a frente e as costas da tessitura, em suas luzes e sombras.
Histórias do tempo, 2015-2021
Composição 3: sedimentar o tempo. Fotografia digital
Uma sequência de 14 tramas retangulares, em orientação vertical, dispostas em uma linha horizontal, sobre uma parede branca, sendo que os espaços entre elas se assemelham na largura. Todas são compostas por linhas preto e/ou brancas, mas cada uma é feita em diferentes pontos de tecelagem manual e, portanto, desenhos diferentes, há assim: uma sequência de losangos conectados, que crescem de tamanho e de contornos, cor preta, e superfícies cobertas pelas linhas, cor branca, tramado até a metade, sobram linhas pretas paralelas e uma linha branca que as perpassa frouxamente; uma trama bem fechada branca, com um círculo, cor preta, com a base inacabada e uma linha branca suspensa, em cada ponta;  um eixo central com quatro losangos, cor preta, sobre branco, com suas linhas de contorno se repetindo, paralelamente, até as laterais, a base está inacabada, com a trama frouxa que revela a linha preta laçando a linha branca que vai e vem, horizontalmente; o próximo tem pontos variados, em que se marcam diferentes ritmos de preto e branco, a base também com a trama frouxa revela a linha preta laçando a linha branca que vai e vem, horizontalmente; a seguir, há uma série de losangos, de contornos, cor preta, com um padrão diamante dentro, tanto o topo quanto a base  revelam a linha preta laçando a linha branca que vai e vem, horizontalmente; uma trama, cor branca, de pontos fechados, tem impressa, na cor preta, a contraforma de um círculo, na base a trama frouxa revela fios torcidos e o modo como, no eixo horizontal, a linha perpassa as torções; cerca de metade da trama está feita, há uma pequena faixa cor branca, um trecho com pontos preto e brancos, um trecho com o desenho de linhas preto e brancas intercaladas, um trecho de trama em que prevalece o fio cor preta, a trama inacabada sustenta dois pequenos novelos; uma trama em que prevalece o fundo preto com pontos brancos, e aos poucos os pontos de branco crescem, um trecho com linhas pretas e brancas paralelas, e uma última parte em que prevalece um fundo branco, com pontos cor preta;  na sequência, duas tramas que se assemelham na medida em que de maneira irregular pontos de preto e branco se equilibram na composição; metade da trama há fundo preto com linhas brancas, que aos poucos se tornam mais largas, terminando a composição com fundo branco com linhas pretas, que se afinam até restar somente o branco; uma trama bem fechada preta, com um círculo, cor branca, de onde se solta uma linha, com a base inacabada e uma linhas pretas suspensas; no primeiro terço da trama, o preto prevalece, cobrindo a base branca, na segunda, se revela uma textura de pontos brancos e na última, pequenos losangos, cor preta, tem seu interior preenchido por três curtos trechos de linha, cor branca; por fim, uma trama de pontos fechados, cor preta, revela bem delicadamente o branco, em losangos, em um eixo central, vertical, sendo que a partir de seus contornos se repetem linhas paralelas.
Mostruários, 2020
Série de tapeçarias. Algodão, lã 100% e lã acrílica. 15 x 25cm aproximadamente (cada). Fotografias da exposição: Eduardo Hargreaves.
De formato retangular, orientação vertical, uma trama em tecelagem manual, ponto simples, em que prevalece o fundo preto com pequenos pontos, cor branca, que aos poucos crescem em tamanho. A seguir, há um trecho com linhas pretas e brancas, verticais e paralelas, e uma última parte em que prevalece um fundo branco, com pontos, cor preta. Na base, um pequeno trecho de trama, cor branca, com pequenas linhas penduradas em toda a extensão. Há um fio branco, curto, à esquerda, próximo ao topo; abaixo e à esquerda, há longos fios, cor preta, e médios, cor branca; à direita, no alto, dois fios, cor preta; na lateral, próximo à base, fios brancos de tamanhos variados.
Mostruários, 2020
Série de tapeçarias. Algodão, lã 100% e lã acrílica. 15 x 25cm aproximadamente (cada). Fotografias da exposição: Eduardo Hargreaves.
De formato retangular, orientação vertical, uma trama em tecelagem manual, ponto simples,  bem fechado, cor branca, com um círculo feito da própria trama, de linha preta, no centro, sendo que seu contorno apresenta as irregularidades da geometria dos pontos. A base está inacabada e há uma linha branca suspensa, em cada ponta; duas linhas curtas ao alto; e duas longas abaixo. Ainda na base os fios revelam o processo de feitura, entre uma sequência de torções do fio perpassa uma das linhas.
Mostruários, 2020
Série de tapeçarias. Algodão, lã 100% e lã acrílica. 15 x 25cm aproximadamente (cada). Fotografias da exposição: Eduardo Hargreaves.
De formato retangular, orientação vertical, uma trama com uma série de losangos, de contornos, cor preta, com variações de tamanho do padrão diamante dentro, na parte inferior os losangos se tornam menores, tanto o topo quanto a base revelam a linha preta laçando a linha branca, que vai e vem, horizontalmente. Há vários fios pendurados nos cantos: um branco acima e à esquerda; um branco e um preto, acima e à direita; um preto e três brancos, sendo um deles mais longo, à esquerda e abaixo, e, por fim, um branco à direita e abaixo.
Mostruários, 2020
Série de tapeçarias. Algodão, lã 100% e lã acrílica. 15 x 25cm aproximadamente (cada). Fotografias da exposição: Eduardo Hargreaves.
Um diagrama composto por eixos ortogonais, representados em tons de azul. Ao centro um pequeno círculo marca o ponto zero dos eixos e à direita lê-se linhas vitais, em letras sem serifa e maiúsculas, ambas de cor azul escura. Em um tom de azul médio, em cada uma das extremidades do eixo, um círculo menor e palavras, partindo da esquerda, seguindo sentido horário: linha - desenho, linhas do corpo, linhas do espaço e fio. Em um tom de azul ainda mais claro, há uma série de palavras em cada quadrante, sendo que, do ponto zero até cada palavra, parte uma fina linha, marcando diferentes distâncias e configurando um desenho radial. Considerando-se o primeiro quadrante, entre o eixo mais à esquerda (linha - desenho) e o eixo central em seu ponto superior (linhas do corpo) temos: gesto (apresenta uma distância maior em relação ao eixo), geometria, processo, experimentação (estas três últimas estão mais próximas), com uma distância maior, segue: grafia, dilatação, tecido. No segundo quadrante, entre o eixo central em seu ponto superior (linhas do corpo) e o eixo à direita (linhas do espaço), temos: superfície (próxima ao eixo), mais distante da anterior, íntimo, história, começo, costura, pele, bordado, ritmo; de maneira geral, estas palavras estão mais próximas do centro que o quadrante anterior. No terceiro quadrante, entre o eixo à direita (linhas do espaço) e o eixo central em seu ponto inferior (fio), temos: estrutura (mais próxima ao centro), física (mais distante do centro), ocupação (mais próxima do centro), mundo, tensão, rizoma, malha (mais distante das palavras que a ladeiam), ambiente e ritual (mais próxima ao centro). No quarto quadrante, entre o eixo central em seu ponto inferior (fio) e o eixo à direita (linha - desenho), temos: encontro (um pouco distante do eixo central e mais próxima ao centro), continuidade (mais distante do centro), sendo que a grafia destas duas últimas palavras cruza o eixo, intergeração (mais distante da anterior), metáfora, tempo, narrativa (esta última é a palavra mais próxima do centro de todo o diagrama), modelagem, cultura e memória (bem próxima ao eixo linha - desenho).
Texturas/Constelações, 2018-2021
Desenho digital.
Um diagrama que, pelos seus pontos principais, se assemelha a uma constelação, da esquerda para a direita, os principais eixos são: ficção; à esquerda e ao centro, narrativa; à direita e acima, memória; à direita e ao centro, trama; à direita e abaixo, ritmo; e à direita e acima, língua. De cada ponto partem vários eixos para palavras secundárias, que se expandem, criando inclusive interconexões. O estabelecimento de diferentes tons de azul e de tamanhos de fonte da letra orienta uma sequência para a leitura: trama, cor azul escura, fonte maior, um eixo central de onde partem, do centro e acima, em sentido horário, as palavras: diferença, textualidade, soma, textura, cruzamento, tato, tecido, método, texto, resistência, sobreposição, padrão; à esquerda, há um grande eixo que gera outro núcleo, denominado narrativa, e, a partir dessa palavra, em sentido horário: palavra, aprender, tradução, saber, autonomia, literatura, ficção, que gerará um núcleo de terceira grandeza, escrita, forma, conteúdo, metáfora, contorno. Da palavra ficção partem: literatura, verdade, entre, política, sendo que da palavra verdade se desdobra em um tom de azul bem claro: ética, e da palavra entre: vazio, intervalo, fresta, intermédio. Do núcleo narrativa, da palavra autonomia, também cor azul clara, partem as palavras: liberdade, poder, práxis. O núcleo da narrativa também gera, para cima, um pouco à direita, o núcleo memória, que se liga à trama e gera as palavras: criação, invenção, utopia, passado, futuro, história, velho-novo. Algumas palavras se sobrepõem e se tornam ilegíveis, outras de um mesmo núcleo se conectam como, por exemplo, utopia e futuro; núcleos diferentes compartilham uma mesma palavra como, por exemplo, resistência, que é compartilhada pelo núcleo da trama e da palavra memória. Considerando como centro a palavra trama, para baixo e para a direita, parte o núcleo, cuja palavra central é ritmo, de onde partem as palavras: frequência, som, performance, oscilações, atualização, infinitude, sintonia, vibração, ritual, fio, repetição, alternância, fluxo, circularidade, metamorfose, palavra esta que se conecta à narrativa por meio das palavras aprender e tradução, ligando-se também à ficção, há portanto palavras-conceito que conseguem cruzar uma considerável área do diagrama. Ritmo por meio do som, da performance e presença, se conecta há um último núcleo, o da palavra língua, de onde partem as palavras-conceito: linguagem, comunidade, oralidade, voz, leitura, fala, identidade, etimologia, improviso, efemeridade, significação, sendo que de oralidade partem as palavras: comunicação, performatividade e transmissão e oralidade também se conectam à corpo e, portanto, ao núcleo trama.
Texturas/Constelações, 2018-2021
Desenho digital.
Um manuscrito feito em letras de forma maiúsculas, lápis grafite sobre papel, cor rosa claro: enquanto escrevo estas palavras, sinto a pressão do contato entre a superfície rígida do lápis e as fendas e furos na pele de meus dedos, frutos das horas passadas a cortar  cebolas e manejar agulhas, cortar desejos e manejar o tempo, mãos que decoraram a coreografia arriscada de objetos cortantes, perfurantes, que conhecem a textura do próprio sangue e carne, da gordura sobre o tecido, da vibração das cordas vocais. perfeição e impecabilidade ornam uma casa, mas não há ornamento algum no escuro que vejo ao  fechar meus olhos, embora eu tente apertá-los, contrai-los e endurecê-los contrariando a fragilidade das pálpebras, como se a força impressa neste movimento pudesse produzir efeitos de luzes, de uma grande luz no fim do túnel. será o interior da casa como um sonho, do qual devo me despertar a qualquer momento? será que em babel há uma língua indecifrável como essa entremeada nas linhas dos tapetes e forros de mesa, imaginada por corpos que teceram o primeiro fio da memória? ainda nesse escuro que habito, a sensação de um corpo prestes a descobrir a própria liberdade me mantém em constante suspensão. sou mulher. meus corpos são muitos. minha fragmentação é exercício de reinvenção, minha reinvenção é urgência de sobrevivência, minha sobrevivência é conquista de liberdade. a existência em iminente risco de desaparição física e simbólica me exige a força da imaginação, das marés, das multidões, da justiça, da história, da coragem, da língua, das linhas, da respiração – palavras, não à toa, femininas como a vida.
Trabalho doméstico, 2020
Grafite s/ papel. 21 x 29 cm.
fechar
Natália Rezende
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título

Natália Rezende é tecelã, artista visual e pesquisadora. Nascida em Várzea da Palma/MG, vive e trabalha em Belo Horizonte/MG. Possui mestrado e bacharelado em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais, mesma instituição na qual realiza doutorado (com bolsa CAPES/PROEX), também em Artes. Em suas pesquisas e práticas artísticas, dedica-se à investigação das artes têxteis e suas potencialidades plásticas, históricas e textuais. Atua como educadora em oficinas e no projeto de extensão "Tramas Contemporâneas na América Latina" (EBA/UFMG).

Proposta de criação

linha
elementos das arte visuais, linha, linguagem, escrita, narrativa visual

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Publicado em 24 de março de 2022

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