Juliana Gontijo
A coragem é também uma inteligência
por Dani Maura
Um autorretrato, feito em pintura. Revelando sua natureza, a tinta diluída, fluida, se sobrepõe em camadas.
“Essa coisa de pintar retrato é mágica… De uma substância líquida, você consegue estruturar uma forma e, para além dela, consegue estruturar uma identidade. Se reconhece o outro a partir daquela forma e daquela estrutura.”
Depois de um zoom in sobre o rosto representado, vê-se apenas manchas, cor, grãos de pigmento, enfim, a soma de texturas dos materiais.
Um retrato se desfazendo e voltando a ser tinta em movimento.
A matéria ainda úmida parece pulsar ao refletir sobre qual direção seguir.
Por um breve momento, o líquido se movimenta no ritmo de inspirações e expirações.
E pela atenção dada à materialidade o que era rosto vira solo, sobre o qual qualquer coisa ou mesmo o nada pode crescer. Assim como as memórias são deslocadas pelos cheiros, esse chão pode ser remexido por fortes raízes.
Um zoom out revela amplos espaços em branco, percorridos por linhas de diferentes espessuras e direções. Restando a memória de finos traços, de palavras. Recordo-me de uma imagem que dizia: “me procure”.
“Cada passo na pintura, cada ação ela te desestabiliza, mesmo, faz você ter que se reorientar. Porque a imagem mental, as projeções elas nunca condizem com o real, com a matéria de que é feita a vida. A imaginação da tinta, da fluidez da tinta, até das cores, ela nunca corresponde com a realidade do que é a pintura. Esse é um grande aprendizado que eu tenho com ela, de a todo tempo ter que me reinventar para dar conta de manter o diálogo; estabelecer um diálogo, uma conexão, entre você, seu desejo e o que se manifesta no real.”
Nasce também uma vontade de espaço, um pensamento sobre os lugares, a matéria da pintura dialogando com a história deles. O que se representa em uma tela se apresenta no espaço e no encontro com as pessoas. E aí cada pessoa que entra vai deslocando junto de si todas as linhas de força da composição do espaço, ela traz outros pesos para a composição, que está sempre se refazendo também em jogos de escala, com os corpos vistos a diferentes distâncias.
Do mesmo modo que as combinações infinitas de pontos vista que se somam, a matéria da tinta a escorrer instaura sempre um agora. Não conseguiria definir o que é realidade, mas sei que ela se reproduz em diferentes escalas.
“Eu preciso enxergar outras formas, eu preciso escolher”.
Não são fronteiras, ou talvez sejam fronteiras transformando-se em limiares: um convite para que a percepção do outro desperte o desejo pela diferença.
Uma imagem que é espaço e que se abre em possibilidades. Uma quantidade de linhas leva de um ponto a outro, mas o que nasce não são oposições, é, sim, o movimento.
“Desde sempre estou falando da mesma coisa”.
De diferentes maneiras, em diferentes corpos, em diferentes encontros, espaços, matérias, temas e sonhos. Talvez estejamos todos como em uma dança que, em seus gestos mais maravilhosos, conecta céu e terra.
Nascida em Belo Horizonte, Juliana Gontijo é bacharel em Artes Visuais pela UFMG. Participou de diversas exposições coletivas e exposições individuais, sendo a última delas "O tempo é implacável", em 2019, no MAMAM Recife. Desenvolve projetos relacionados ao espaço, à imagem e à palavra e busca sua expressão através da construção de composições híbridas lidando com pintura, desenho, objeto, vídeo, fotografia, som e texto. Através da operação de pequenos desvios seu trabalho aponta para o desejo por construir narrativas que permitam, dentro do corpo do texto/ imagem, a emergência de contradições e dúvidas e que criem "fronteiras alargadas" por onde devem atravessar as complexidades da experiência de seu próprio corpo (físico, sensível e político) no tempo e no espaço.
Proposta de criação
espaço interno e externo
estados interiores, narrativas, representação do espaço, apresentação no espaço
Publicado em 21 de abril de 2022