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Janaína Tábula

Conhecer por meio da pele

por Dani Maura

Dobrou-se sobre si própria em ruínas, de onde brotavam inúmeras pequenas plantas, que o vento perpassava, convidando para uma grande respiração em conjunto.

Teve a sensação de que iria dissolver-se em branco, tremendo de frio durante um exercício de pintura, que tratava da ambiguidade entre figura e fundo. As memórias frias eram como os olhos que lhe observavam e se aproximavam. Em algum ponto o corpo tornou-se somente ação, e tudo perdeu importância na mesma medida em que poderia se intensificar.

Enquanto o vidro pesava sobre o rosto, o material lhe convidava para uma dança, a transparência lhe remetia a memórias pastosas de um corpo que se redesenha, pesa, cola e descola, produzindo um som muito específico. Pensou em quais seriam as lições para se aprender com a pele, digo não só para ela, mas para nós todos. Os pensamentos habitavam cada parte de seu corpo, lembrando-lhe que enquanto um corpo dança, há uma coreografia de muitos corpos acontecendo. Como em uma dança, será que o término de um encontro com um material engendra o encontro seguinte?

O líquido branco de outrora a envolveu como uma nuvem sólida, cada gesto era movido pelo desejo de respirar encontros, voltar a ver pessoas, depois de tempos experimentando todos os elementos de uma casa.

A mesma casa que outro dia, sem nenhuma explicação plausível, foi tomada por nuvens. Caminhar entre as nuvens propõe para o corpo movimentos ritmados, como os de um recém-nascido prematuro, que sonha ainda estar debaixo d’água. Ah, esses sonhos de antes de termos nome, de antes de nomearmos qualquer coisa, que nos recordam sempre da escala de tudo que pode ser imponderável.

As nuvens choveram, e depois da inundação restou um chão de terra, onde se deitava, se escondia e, mais do que tudo, se recordava, pois daquele chão não brotavam plantas, mas sim memórias. Tentou comer as memórias pela raiz e, depois, elas parecem brotar de seu rosto… Mulheres contaram suas memórias, suas vozes atravessaram e se condensaram em uma só voz, a sua. Depois ela amplificou a voz, materializou em um carro de som e saiu pela cidade.

No primeiro plano de uma fotografia retangular de orientação vertical, uma vegetação rasteira, cor verde clara, com gramíneas e pequenos cactos, em que se destaca uma flor, cor lilás, à esquerda. À direita, sobre o chão, há fragmentos de uma parede de uma construção, que ocupa a porção central e esquerda da imagem e tem as superfícies escurecidas pela exposição ao tempo: um cômodo maior dividido por uma parede mais baixa, tudo está destelhado e o interior se revela por meio da parede mais externa e mais baixa. Um corpo nu de pele clara, cabelos pretos, emerge do centro da construção, sua posição se configura em linhas curvas: as pernas flexionadas, o tronco dobrado para a esquerda e para a frente, os braços elevados apoiam-se sobre a borda irregular da parede quebrada. Uma pequena planta, cor verde clara, brota sobre a parede, cobrindo parcialmente as pernas da figura. As bordas quebradas das paredes revelam os tijolos e seus furos, alguns vergalhões escurecidos, dobrados, projetam-se para a frente, à direita da composição, alguns tijolos se espalham pelo terreno, uma massa de vegetação, cor verde clara, de altura média, adentra o plano, ao fundo e à direita, indicando continuar por detrás da ruína, de onde emerge uma alta linha vertical de uma palmeira de ampla coroa, feita de finas folhas, cor verde escura.
Ruína, 2012
Fotografia (fotoperformance). Fotógrafo: Mauro Evangelista
Na beira da praia, com calmas ondas, uma larga faixa de areia se estreita em perspectiva para o fundo, ladeada pela água, à esquerda, e por uma faixa de vegetação, cor verde escura, à direita. Uma porção horizontal, que está acima e representa uma quarta parte do enquadramento da fotografia, é composta pelo céu, que está parcialmente nublado, cor azul claro. No primeiro plano, um galho traça uma diagonal, partindo do alto à direita, ele faz parte de uma grande árvore, que está mais ao fundo, cujo tronco está à direita, de onde outros galhos se ramificam, seguindo a mesma direção diagonal. A madeira está sem casca, polida e esverdeada pela umidade; sobre a parte do tronco em que ocorre a ramificação, repousa o corpo nu de uma pessoa, que tem os pés apoiados na base de um dos galhos, o braço direito está estendido sobre outro e o torso, em um movimento espiral, esconde a cabeça atrás da ramificação de um galho curto, cortado.
Tronco, 2012
Fotografia (fotoperformance). Fotógrafo: Mauro Evangelista
Em uma fotografia retangular de orientação vertical, diante de uma parede branca e sobre um chão que espelha a luz, e por isso não se pode discernir a cor, há uma mulher que mira o observador, em pé, com as pernas abertas em V invertido, cabelos pretos, crespos, com comprimento acima do ombro, corpo nu, pele clara. Ela cruza o braço direito diante dos seios, porque está traçando uma linha com batom vermelho sobre o braço esquerdo, que se encontra estendido, paralelo à parede; a mesma linha vermelha já está traçada do dorso do pé direito até a púbis, dos lábios, descendo em direção a perna esquerda, passando pelos seios, barriga, púbis, seguindo pela parte interna da perna até o dorso do pé esquerdo, e partindo dos lábios segue para o braço esquerdo, onde ainda está em processo. As linhas vermelhas se curvam em diálogo com os volumes do corpo.
Das Intimidades - Desenho, 2010
Fotografia como registro da performance. Fotógrafo: Mauro Evangelista
Em uma fotografia retangular de orientação vertical, diante de uma parede e sobre um chão que espelha a luz, e por isso não se pode discernir a cor, há um corpo andrógeno, que mira o observador, em pé, cabelos pretos, crespos, com comprimento acima do ombro, corpo nu, pele clara. Os braços estão ao lado do corpo e a mão direita está espalmada. Uma linha vermelha está traçada do dorso do pé direito até a púbis, dos lábios, descendo em direção a perna esquerda, passando pelos seios, barriga, púbis, seguindo pela parte interna da perna até o dorso do pé esquerdo, e partindo dos lábios segue para o braço esquerdo, uma outra segue da palma da mão direita para trás do pescoço, pelo lado oposto, e do lábio para a palma da mão esquerda. As linhas vermelhas se curvam em diálogo com os volumes do corpo e há ainda manchas vermelhas por todo o corpo, em especial, ao redor do umbigo. A parede atrás é branca e sobre ela também há linhas e manchas: ondulações horizontais, na altura da cabeça; uma curva, da altura do corpo, que segue pelo lado direito até o chão; e uma diagonal de cor intensa, que parte da cabeça e segue até a margem direita da composição; ao redor dessa diagonal concentram-se as manchas.
Das Intimidades - Desenho, 2010
Fotografia como registro da performance. Fotógrafo: Mauro Evangelista
Em uma fotografia retangular de orientação horizontal, uma banheira esmaltada, cor branca, com desgastes da pintura nas bordas, indicando muito uso, atravessa a linha média da composição em uma diagonal, que parte do canto inferior esquerdo. A banheira está cheia de tinta branca e de dentro dela emerge ou imerge uma pessoa: a cabeça está à esquerda e o que se revela, sem estar coberto pela tinta, é o rosto de pele clara, com os olhos fechados, e um pouco de cabelo próximo à testa e às têmporas. Os braços se apoiam na lateral interna da banheira e as mãos seguram na borda, ambos estão completamente brancos. A banheira está sobre um piso liso, cor branca, aos pés da figura está sentado um observador, apoiado em uma coluna, também branca, da qual vemos apenas uma parte, e ele olha atentamente para a cena, veste uma camiseta cor rosa, tem os cabelos cor escura, na altura do queixo e um pouco de barba. Mais atrás, outras pessoas observam a cena, com a base de uma porta de vidro como fundo, vemos apenas o plano baixo e da direita para a esquerda: uma primeira pessoa está em pé, e o enquadramento revela somente suas pernas e pés, a segunda está sentada e com as mãos presas entre os joelhos, uma terceira está em pé e descalça, há um banco branco, vazio, um último vulto de uma pessoa mais atrás e uma sequência de três vasos com plantas.
Entre a Vigília e o Sono, 2017
Fotografia como registro da performance. Fotógrafa: Luiza Palhares
Em uma fotografia retangular de orientação vertical, no primeiro plano, partindo do canto inferior direito, em linha diagonal, há uma banheira esmaltada, cor branca, contendo tinta também branca. Uma pessoa está em pé, de costas, logo após a banheira, ela olha para a esquerda e para o fundo do ambiente e tem o corpo, praticamente, coberto pela tinta, apenas em alguns pontos sua pele se revela: na perna esquerda, na parte interna; no ombro esquerdo há também uma faixa de pele; no cotovelo direito, um pequeno círculo; e, por fim, a tinta se torna raleada em seus cabelos que são curtos e pretos. O chão também é todo branco, há uma larga coluna cilíndrica, de mesma cor, que ocupa toda faixa central da composição e que está atrás da figura, que apoia sua mão direita sobre ela, enquanto a mão esquerda repousa ao lado do corpo. Ao fundo e à esquerda, há o fragmento de uma outra coluna similar à anterior. No último plano, uma parede branca e à direita da imagem, numa faixa central, destaca-se uma linha preta, horizontal, que é o rodapé da parede.
Entre a Vigília e o Sono, 2017
Fotografia como registro da performance. Fotógrafa: Luiza Palhares
No centro de uma rua, com algumas pessoas caminhando sobre o asfalto e outras paradas, conversando, destaca-se uma massa ovalada de bordas irregulares, cor branca, com textura similar a uma pequena nuvem, que envolve um corpo, revelando apenas as pernas de pele cor clara, com joelhos dobrados e calçando sapatos de salto, cor marrom claro. Atrás, em cada um dos lados, há pilhas desorganizadas de pneus e, nos planos mais ao fundo, conjuntos de árvores que ladeiam a rua e prédios, sendo da direita para à esquerda: dois altos, cor creme, que seguem para fora do enquadramento; um ao centro, cor branca; e um à esquerda, cor cinza, com amplas janelas. O céu está nublado, branco.
Devir, 2019
Fotografia como registro da performance. Fotógrafo: Márcio Otávio
No centro de uma rua, com algumas pessoas caminhando sobre o asfalto e observando a ação, destaca-se, no primeiro plano, uma grande massa de bordas irregulares, cor branca, com textura similar a uma nuvem, que envolve um corpo, revelando apenas as pernas de pele cor clara, com joelhos dobrados e calçando sapatos de salto, cor marrom claro. A figura parece tentar libertar-se do volume, pelo modo como se tensiona a abertura das pernas e pelos pequenos fragmentos das mãos, que aparecem mais acima, partindo de dentro do volume branco. Um pequeno recorte de cabelos pretos se revela no topo do volume, que tem uma ponta se projetando para a esquerda e dois pequenos fragmentos sobre o chão, um à esquerda, no limite do corte do enquadramento, e um menor à direita, bem à frente da composição. O céu está nublado, branco, e uma pequena nuvem mais escura encontra-se bem acima da figura. Atrás, há vários prédios, com diferentes alturas e larguras, em que se predomina a cor creme.
Devir, 2019
Fotografia como registro da performance. Fotógrafo: Márcio Otávio
No centro de uma rua, com um grupo de pessoas alinhadas ao fundo, destaca-se, no primeiro plano, uma grande massa de bordas irregulares, cor branca, com textura similar a uma nuvem, que envolve um corpo, revelando apenas as pernas de pele cor clara, calçando em um dos pés um sapato de salto, cor marrom claro, enquanto o outro está no chão, à esquerda. Cabelos pretos e cacheados se revelam no topo da massa, assim como o braço direito dobrado, com a mão posicionada sobre o ombro esquerdo. O céu está nublado, branco. Atrás, há três prédios: dois altos, cor creme, à esquerda, e um mais baixo, coberto por janelas espelhadas de tom esverdeado.
Devir, 2019
Fotografia como registro da performance. Fotógrafo: Márcio Otávio
Em uma fotografia preto e branca, retangular de orientação horizontal, um corpo, de pele clara, está deitado de costas sobre um chão feito de tábuas compridas e largas, representado em um tom cinza escuro. A cabeça encontra-se na parte inferior direita da composição, o olhar dirige-se para o alto, os cabelos pretos e encaracolados espalham-se sobre o piso. Os joelhos se dobram sobre o tronco e, enquanto o direito faz um ângulo reto com o pé, apontando para o teto, tangenciando a margem superior da imagem, o outro dobra a perna prensando um colchão, cor cinza claro, que se dobra, abarcando o abdômen e a pelve, assemelhando-se a uma concha; vê-se a mão esquerda, no centro e embaixo, segurando com firmeza uma das bordas do colchão, o que garante que ele permaneça dobrado, fechando-se sobre o corpo e sobre si mesmo.
Das Intimidades - Escultura, 2010
Fotografia (Fotoperformance). Fotógrafo: Mauro Evangelista
Em uma fotografia preto e branca, retangular de orientação horizontal, um corpo, de pele clara, está deitado de bruços sobre um chão feito de tábuas compridas e largas, representado em um tom cinza escuro; os cabelos pretos cacheados encobrem quase toda a face que encosta no piso, onde a mão esquerda também se apoia, espalmada, próxima ao ombro e ao observador. Entre as escápulas, há uma tatuagem de uma rosa dos ventos, o braço direito prende e se esconde atrás da borda de um colchão, cor cinza claro, que se dobra ladeando toda a lateral do corpo; o eixo central da dobra coincide com os pés da figura, que têm a sola escura e que se voltam sobre o corpo, que com o seu peso sustenta também a dobra do colchão, pois está apoiado da cintura para baixo sobre ele.
Das Intimidades - Escultura, 2010
Fotografia (Fotoperformance). Fotógrafo: Mauro Evangelista
Sentado sobre um banco de madeira, está um corpo de pele clara, que parece se encaixar na fotografia de formato retangular e orientação vertical: o abdômen e as costas coincidem com o contorno à direita, sangrando a imagem; a cabeça e a parte superior do tronco pendem para a esquerda, acompanhando a margem superior; a perna direita se estica em diagonal para o canto inferior à esquerda, enquanto as mãos fazem um movimento de torção sobre o joelho esquerdo, que está à direita e aponta para a frente. O corpo está coberto por uma espessa pasta incolor, os cabelos são curtos e pretos e também estão cobertos pela pasta, que redesenha os contornos do rosto, que está com os olhos fechados. Por todo o corpo se espalham adensamentos dessa matéria transparente que parece redesenhar os volumes. A parede ao fundo é cor creme.
Das Intimidades - Pintura, 2010
Fotografia como registro da performance. Fotógrafo: Mauro Evangelista.
trás de uma névoa, cor branca, e diante de um fundo também branco, há um corpo de pele clara, do qual se vê o rosto e os ombros. As sobrancelhas são espessas e pretas, assim como os cabelos, curtos. Os olhos estão fechados e a boca está aberta, num gesto de alívio ao inspirar ou expirar.
Névoa, 2020
Técnica: Fotografia (Fotoperformance). Fotógrafo: Roger Deff.
Um retrato que, através de camadas de plástico transparente, que grava as marcas de dobras e por isso reflete a luz em suas variadas superfícies, revela o rosto e ombros de um corpo de pele clara, sobrancelhas espessas e pretas, assim como os cabelos, curtos, que apresentam mais volume à esquerda. A face direciona-se para a esquerda, o queixo aponta levemente para o alto, os lábios estão abertos e o olhar dirige-se para frente.
Extasi, 2019
Fotografia (Fotoperformance). Fotógrafo: a artista (Janaína Tábula)
Sobre um rosto de pele clara, olhos fechados, sobrancelhas e cílios espessos e pretos, pesam cacos de vidro, que estão sobrepostos: dois cacos maiores marcam uma divisão sobre os olhos, o que está abaixo termina em uma linha horizontal, que cruza o queixo, e o outro, de forma triangular, projeta um vértice ao centro e para o alto, sobrepondo-se aos cabelos, que são pretos, curtos e cacheados, apresentando mais volume à esquerda. Há ainda dois pequenos cacos, também triangulares, que se sobrepõem aos outros e apontam como vetores para baixo, ao mesmo tempo que repousam sobre o olho esquerdo, a boca e o nariz. O peso do vidro espesso deforma o nariz e a boca. O enquadramento revela uma porção pequena dos ombros e um fundo branco.
Acidente Doméstico, 2019
Técnica: Fotografia (Fotoperformance). Fotógrafo: a artista (Janaína Tábula)
Um foco intenso de luz adentra a imagem pela margem inferior direita. Há um tronco de pele clara, acinturado, visto pelas costas, posicionado em meio perfil, revelando um fragmento do braço, perna e pé direitos. Sobre a coluna, desde a base até próximo à cervical, está um espesso e fresco ramo de alecrim. Entre as escápulas há uma tatuagem de uma rosa dos ventos, cor azul esverdeada, que se mistura à cor verde da planta. Em especial, na margem superior esquerda, revela-se o plano de fundo de azulejos brancos de 15 cm de lado.
Coluna, 2019
Fotografia (Fotoperformance). Fotógrafo: a artista (Janaína Tábula)
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Janaína Tábula
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Performer, arte educadora, mediadora cultural, empreendedora. Iniciou a jornada de um corpo político, em suas origens na região de Brumadinho, Ibirité e Contagem (MG), sendo filha de trabalhadores da terra (Adão e Zilda) e com forte influência de suas matriarcas, avós parteiras e mãe guerreira. Pesquisa a linguagem da performance enquanto campo expandido, sentindo o corpo como suporte, ato político e ao mesmo tempo poético. Atravessa pautas femininas e éticas em ações que evocam temporalidades, histórias, narrativas e memórias. Está pós graduada em Gestão Cultural (UNA), graduada em Educação Artística pela Escola Guignard – UEMG e atriz formada pelo Teatro Universitário da UFMG/TU, e tem se definido como artista-etc.

Proposta de criação

materialidades
linguagens artísticas, matéria, frotagem, corpo, performance, investigação de mídias para registro

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Publicado em 10 de março de 2022

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