erre erre
Poderia ouvir, agora, num rumor ou grito, uma sequência de nomes dos seus trabalhos
por Dani Maura
Quase obedecendo a um ritmo, me distraio com os seus cabelos, sinto os movimentos dos pensamentos esculpindo quaisquer cabelos, lembro também da Estamira falando dos cabelos como raios de sol, quase a mesma coisa.
Primeira resposta, tento controlar o que penso a partir do que você diz, será que a sensação de corpo e mundo, de fluxo interior e exterior é uma boa lente para olharmos para outros processos de criação? Uso outras palavras, mas consigo reconhecer as sensações que você descreve. Quem mais por aí começou a criar buscando maneiras de existir?
Começo a prestar atenção também nos seus silêncios, nas esperas pela palavra antes de iniciar uma resposta, faço questão de sustentar alguns deles. Penso nos meus métodos de interação e no quanto eles reforçam uma ideia antientrevista, como, por exemplo, quando faço perguntas que não são perguntas, são falas e ideias despertadas pelas suas respostas. Relato contextos meus, sobre como experiencio as mesmas questões que lhe coloco. Não me controlo em alguns “Han? Han?” e acabo rindo junto. Talvez o meu entendimento de entrevista esteja mais próximo do que se entende por diálogo.
Ao deixar algumas imagens que sua fala traz coexistirem, penso seus silêncios na conversa como uma tradução da sua espera para entender que o tempo do trabalho artístico lhe exigiu guardar e fazer coisas sem motivo aparente, para que só depois elas se encontrassem em algum momento futuro. Lembro da fala do Fuganti, em uma aula que assisti faz umas duas semanas: o tempo é o coração de tudo.
Observo uma linha de pensamento, em que um procedimento artístico se desdobra para as relações do processo de criação, para um modo de vida, e lembro do motivo de ser você o artista convidado para abrir o projeto: uma conversa antiga (o ano passado parece que durou ao menos cinco anos, não é isso?) sobre seu processo de criação e suas produções, em que percebi diversos jogos de escala se desdobrando a partir de conceitos e procedimentos, ou melhor, das forças que lhe impulsionam e do modo como você se relaciona. Durante anos, ao ofertar aulas, pensava em como compartilhar meu processo de criação de modo a acolher questões diversas, deixar os outros com vontade de fazer, e, nesse fazer, descobrirem questões próprias. Na nossa primeira conversa, senti que poderia fazer esse exercício a partir de outros processos de criação, pois, além de pontos de contato mais literais, há recortes de quaisquer processos de criação artística, que são exercícios de abertura, que são propostas de deslocamento, que podem inspirar processos e produtos muito diferentes. Ao menos é assim que percebo. Relatos de processos como o seu me auxiliaram a desdobrar as perguntas escolares: qual é sua poética? Qual é seu conceito? Fortalecendo relações mais radicais: qual é a sua visão de mundo que transparece na produção? Modo de vida? Experiência de tempo?
Também me ligo na sua mudança de ritmo, que transparece pelo tônus, sempre volto para as mãos, a sensação é que cada assunto provoca uma atmosfera que lhe atravessa, preenche os côncavos, redesenha o corpo, a voz. Talvez por isso eu me incomode com falas, palestras, que são leituras de um texto, tudo parece vir de um mesmo fôlego, do ar de um cômodo fechado, para não permitir entrar o barulho de qualquer pensamento improvisado. Aqui, um outro bom motivo para abrir os trabalhos com sua presença: o modo como experiencia o processo, essa busca por uma relação com o agora, que atua como passagem para uma reescrita de todos os fluxos e camadas. Sequer se colocando um objetivo, mantendo uma constante escuta para as coisas pequenas, brincando com o campo do imponderável, num fazer em abertura que nutre a si mesmo.
Lá para o fim da conversa, começo a perceber que cada resposta acontece em camadas, uma volta sobre o assunto, um silêncio... e depois um novo movimento, que passa pelas mesmas forças com outras palavras. Começo a pensar no quanto será difícil escolher uma única espiral-resposta, começo a pensar nas camadas de muitas de suas imagens: o movimento da fala talvez seja o redemoinho de onde elas decantam, ou cada composição é o instante antes do vórtice.
erre erre é artista visual, designer gráfico e editor da ‘fera miúda edições’. Realiza trabalhos que transitam entre desenhos, colagens, pinturas, gravuras, instalações e impressos. Valendo-se tanto de produções autorais, quanto de apropriações de imagens e/ou elementos já em circulação. Uma prática que se orienta por encontros e choques; por contingências, confluências e desvios.
Proposta de criação
plantas
desenho de observação, composição, pesquisa de materiais e superfícies de inscrição, impresso, memória
Publicado em 11 de novembro de 2021