A.Sol Kuaray
Sobre dedicar-se amorosamente para que tudo possa vir à luz
por Dani Maura
Uma janela vista de dentro de casa, lá fora, um rio, que nos leva para o instante, cheio de encantamento, em que uma criança vê um olho d’água pela primeira vez: a infinidade dos possíveis.
Uma escuta cuidadosa a despertar a memória que integra território, comunidade e corpo.
O sonho a banhar os dias.
A chuva a aguar, como um sinal de benção.
O instinto a acordar uma sabedoria ancestral.
Ser em si, aprender com a semente a saber o que se é, a manifestar o que se é.
Germinar, no íntimo da terra, experimentar distâncias por amor ao vazio.
Amor também ao mistério, que não se desfaz à luz da razão.
Lembrar-se de ouvir a canção dizer “a semente ensina não caber em si”.
Plantar no dia a dia o encontro, desenhar um corpo coletivo, movimentar-se e movimentar o entorno e, como água, juntar tudo.
Uma vez existindo, sabedoria é manter-se em movimento.
Intuir é saber que tudo é fluxo.
A visão do alto: um rio e seus afluentes como uma árvore.
Aprender com o reino vegetal a traduzir o sol, a diferenciar-se no contato com o ambiente, a compor.
Ligar céu e terra e assim encontrar águas profundas, matéria prima.
Voltar ao começo.
Como água ígnea, em um gesto de cura, redesenhar a cidade.
Os mínimos gestos, que expressam uma maneira, fábricas de maravilhas.
No agora, estar imerso em um abraço com o além tempo.
A. Sol Kuaray é um corpo que revoga o acesso e a valorização dos saberes tradicionais no reconhecimento territorial e cultural, nascida na região da Chapada Diamantina, em Iraquara/Bahia, é artista visual, educadora, produtora cultural e indígena em retomada. Realiza trabalhos em performance, intervenções e obras que valorizam os saberes tradicionais e o conhecimento etnobotânico, contribuindo na realização de ações que denunciam as violências contra o meio natural.
Proposta de criação
convívio
performance, corpo, fotografia, materialidade
Publicado em 20 de janeiro de 2022